quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

9ª SESSÃO - 10 JANEIRO 2013


1. A novela da "Menina dos Rouxinóis", intercalada nas "Viagens..."
    Resumo e linhas de significação.
   
    Leitura de excertos do livro e de um texto de apoio ( J. Tomaz Ferreira) [ver mais abaixo]



2 . O abandono e desleixo a que está sujeito o Património monumental em Portugal. Ver cap. XXXIX
     e XLII das Viagens...

     Ver também:
http://aorodardotempo.blogspot.pt/2010/11/imagens-do-meu-olhar-o-tumulo-do-rei-d.html

     Leitura de algumas passagens das Viagens dos cap. referidos, acompanhadas de imagens
     ilustrativas (PPoint)

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TEXTO DE APOIO



VIAGENS NA MINHA TERRA

A NOVELA DA MENINA DOS ROUXINÓIS

Na casa do Vale vivera uma família de que eram membros Carlos e Joaninha. Primos, ambos foram criados pela avó que tivera a des­dita de perder não só a filha, mãe de Carlos, mas também o filho, pai de Joaninha, e o genro, marido da filha. Na família, e em parti­cular no que dizia respeito a Carlos, tinha grande ascendente Frei Di­nis, um homem que, depois de ter sido grande no mundo, abraçara a religião e doara àquela família os seus bens. Frei Dinis visitava a fa­mília todas as sextas-feiras e mantinha com a velha avó uma estranha relação de tutela. Todo afeito às ideias absolutistas, não conseguiu evitar que Carlos, cuja antipatia por ele era manifesta, emi­grasse para Inglaterra para se juntar às tropas liberais. É por ocasião da chegada, trazida por Frei Dinis, de uma carta de Carlos para Joa­ninha, que Frei Dinis tem com a avó desta uma estranha e longa con­versa de que nasce na velha um choro que provoca a cegueira.
Entretanto, com os sucessos da guerra civil, acontece que Carlos regressa ao Vale, onde reencontra Joaninha. Esta ama o primo e es­perara por ele; este sabe que a ama também, mas reconhece que não era digno daquele amor, pois se ligara a outra mulher. Joaninha tudo adivinha e põe termo ao devaneio.
Numa dura batalha, Carlos é ferido gravemente. Quando volta a si, encontra-se numa cela do convento de Frei Dinis. Ali depara com Georgina, a inglesa que o amava e que, nobremente, o trata, reco­nhecendo embora que o coração dele pertencia a Joaninha, razão que a leva a romper com ele. Mas, pior do que isso, ali toma Carlos conhecimento de que afinal é filho de Frei Dinis, o homem que, an­tes de entrar em religião, amara adulterinamente sua mãe, lhe matara o marido e o pai de Joaninha também.
Na sequência de todas estas revelações, Carlos desaparece. Não matara o frade, como era sua intenção, antes acabara por lhe conce­der o seu perdão. Mas a maldição abate-se, sob a forma de morte, sobre as personagens desta história: Joaninha enlouquece e morre; Georgina converte-se ao catolicismo e morre para o mundo entrando em religião; a avó enlouquece e sofre assim a morte da razão; Carlos sofre a morte moral do homem com ideais que se transforma em agiota: «morreu-lhe o coração para todo o afecto generoso e deu em homem político e agiota» (cap. XXXVI). Só Frei Dinis continua no mundo como figura de tragédia que a morte parece repelir até que expie no sofrimento os seus pecados.

***

Como vemos, o romance compreende duas histórias que se entre­cruzam, cada uma delas com o seu protagonista bem definido. Uma é a história de Frei Dinis. As suas ideias passadistas, a sua condição de frade bem podiam apontá-lo como o símbolo do regime derruba­do. E esse regime ele encarna-o na ideologia que defende e na vee­mência com que se opõe ao avanço das novas ideias. Não se pense, porém, que tinha sido ideia de Garrett desenvolver o fio da história por esta linha simbólica.
A história de Frei Dinis configura uma tragédia humana e é um pouco ao ritmo da tragédia grega que ela se desenrola, não faltando sequer o «Coro» que Frei Dinis de certo modo interpreta ao comen­tar os acontecimentos e ao prevê-los. O papel simbólico da história funcionará mais como nas parábolas, não no paralelismo que passo a passo se podia estabelecer com o real, mas no significado que da globalidade da história se desprende. É aqui que o passo crucial estará si­tuado, no momento em que o herói da ordem nova, Carlos, ao aprestar-se para matar o representante da antiga, se apercebe de que, afinal, ia matar o próprio pai. É como sabemos, a repetição duma si­tuação que Garrett já explorara em O Arco de Santana.
Carlos, por seu lado, protagoniza a outra história, aquela que en­volve a primeira e que, por isso mesmo, assume a categoria de princi­pal. Carlos é um herói romântico e é uma história romântica o que ele protagoniza: a história dum amor desfeito pela excessiva capaci­dade de amar que o protagonista revela. Carlos ama Joaninha, mas ama simultaneamente Georgina: «Oh, Georgina, Georgina, I love you still» (cap. XXXII). Como já amara Laura, e depois dela Júlia. E a todas amara sinceramente. O resultado de tantos amores, fruto de tanto amor, foi uma sementeira de desgraças que em parte já referi­mos.
Mas Carlos, se é o herói romântico, é também a projecção literá­ria do próprio Garrett. Não deixará de ser sintomático a este propó­sito, a nota autobiográfica que o Autor deixa cair no cap. XI, exacta­mente a anteceder a história da «Menina dos Rouxinóis»: «...eu, que já não tenho que amar neste mundo senão uma saudade e uma esperança — um filho no berço e uma mulher na cova?... [...] E posto que hoje, faz hoje um mês, em tal dia como hoje, dia para sempre assinalado na minha vida, me apareceu uma visão, uma visão celeste que me surpreendeu a alma por um modo novo e estranho.»
Há aqui uma referência clara a Adelaide Deville Pastor e à filha que lhe deixou; como há, depois, a referência a Rosa Montufar In­fante, a «visão celeste» que voltou a despertar-lhe o coração que de­vera antes devotar-se ao culto duma saudade e à cura duma esperança. Porque também o coração de Garrett era grande de mais — como o de Carlos (cf. cap. XXXVI).
A ser assim, teremos Garrett, como Carlos, a fazer a sua auto-análise de herói romântico, a reconhecer as suas mazelas e a assumi­-las como se delas pudesse e devesse tirar glória. «Oh! eu sou um monstro, um aleijão moral, deveras, ou não sei o que sou» (cap. XLVI), exclama. Mas a que se deve a monstruosidade? «Deus que me castigue se ousa fazer uma injustiça, porque eu não me fiz o que sou; não me talhei a minha sorte, e a fatalidade que me persegue não é obra minha.»
Assim, pois, na história de Carlos há ainda um duplo drama: aquele que Ioda a gente vê e se traduz nos resultados que enumerá­mos, e o drama oculto que se passa no íntimo do personagem — o drama psicológico duma natureza que se analisa e sofre com o que vai ser, contraposto ao que gostaria de ser: «Eu sim, tinha nascido para gozar as doçuras da paz e da felicidade doméstica; fui criado, estou certo, para a glória tranquila, para as delícias modestas de um bom pai de famílias.» (Cap. XLVIII)

In:
Nota Introdutória de J. Tomaz Ferreira,
VIAGENS NA MINHA TERRA, A. Garrett,
Livros de bolso Europa-América, 7ª ed.,
Mem Martins, 1999




2 comentários:

  1. A obra de Garrett ,um dos geniais da literatura, sempre apaixonante.
    O título "Viagens na minha Terra " é prenúncio de impressões sentimentais como a de Joaninha_'a menina dos rouxinois' e do heroi Carlos.
    Muito bem o texto ,

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  2. Obrigado pela tua visita, Lis.
    Volta sempre.

    Saudações

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