segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

7ª SESSÃO - 6 DEZEMBRO





 CARACTERÍSTICAS DO ROMANTISMO

Exploração do quadro iniciado na sessão anterior.
Leitura de excertos dos primeiros cap. das VIAGENS. Ficámos no cap. V
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Bibliografia:

História da Literatura Portuguesa, A. J. Saraiva e Óscar Lopes; Porto Editora, 16ª ed.
Dicionário da Literatura Portuguesa, Org. António Manuel Machado; Edit. Presença, 1ª ed, 1996


6ª SESSÃO - 29 NOVEMBRO

ALMEIDA GARRETT E O SEU TEMPO



«Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como S. Petersburgo — entende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal.
Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de Estio, viajo até à minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré. E nunca escrevi estas minhas viagens nem as suas impressões: pois tinham muito que ver! Foi sempre ambiciosa a minhapena: pobre esoberba, quer assunto mais largo. Pois hei-de dar-lho.
Vou nada menos que a Santarém; e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer crónica.» ( Início das VIAGENS NA MINHA TERRA )






ALMEIDA GARRETT

PORTUGAL

        1799: Nasce no Porto.
        Filho de família burguesa(funcionários e “brasileiros”)
        Estadas em quintas da família, contacto com a cultura popular de velhas criadas, origem do “Romanceiro”
        1809 -  Foge aos franceses, para a ilha Terceira (Açores) com os pais.
        Educação escolar clerical, princípios clássicos, com tio paterno, futuro bispo de Angra.
        Com 15 anos: sermão numa festa religiosa, na Graciosa.
        1816 - Adolescente virado para aventuras amorosas. Tio aconselha Coimbra e curso de Direito. Garrett em Coimbra
        Coimbra: estudos e adesão às ideias liberais. Primeiros passos literários: poesia e teatro.
        Lisboa. Chefe da repartição da instrução. Processado por ofensas à moral pelo poema Retrato de Vénus.
        Casa com Luísa Midosi, uma adolescente de 15 anos.
        Primeiro exílio em Inglaterra devido aos confrontos entre Liberais e Absolutistas. Contacta com nova corrente literária, o Romantismo, em oposição ao Classicismo.
        Publicação dos grandes poemas  Camões (1824) e D. Branca (1826), introdutores do Romantismo em Portugal
        Regressa a Portugal, aderindo à CARTA.
        1828: novo exílio, em Inglaterra. Privações e fome.




        1830 – Publica PORTUGAL NA BALANÇA DA EUROPA






        Acompanha D. Pedro como soldado raso e inicia O ARCO DE SANTANA durante o cerco do Porto.
        Ligação com Adelaide  Pastor e nascimento da filha, ilegítima pela impossibilidade de  dissolver o casamento com Luísa Midosi. Drama pessoal, transposto para o Frei Luís de Sousa.
        Missão diplomática em Bruxelas.
        Encarregado de um plano de criação de um Teatro Nacional. Várias peças; 1843 : Frei Luís de Sousa.
        1837: inicia brilhante carreira parlamentar

        1843 – Começa a publicação em folhetins das VIAGENS NA MINHA TERRA (Revista Universal Lisbionense), relato de viagem a Santarém, a casa de Passos Manuel
        1844 – Conhece a Viscondessa da Luz.
        1845 – FOLHAS CAÍDAS, obra-prima da poesia portuguesa do séc XIX
        Nomeado Visconde e par do reino ( para garantir subsistência à filha)
        Ministro dos Negócios Estrangeiros por alguns meses
        9 de Dezembro de 1854: morre em Lisboa, com 55 anos.
        Jaz no Panteão Nacional,  Igreja de Santa Engrácia em Lisboa.

        1799: D. Maria I enlouquece, regência do Infante D. João (Rei  D. João VI, em 1816, quando morre a rainha mãe )
        1807 – Corte portuguesa parte para o Brasil. 1ª invasão francesa (Junot). Roliça e Vimeiro. Convenção de Sintra.
        1809 - 2ª invasão (Soult), Porto e Norte de Portugal.
        1810 – 3ª invasão(Massena) Buçaco. Linhas de Torres Vedras.
        1816 – No Brasil: morre D. Maria I. Sucede D. João VI.
        1817 – Gen. Gomes Freire de Andrade é enforcado (Mártires da Pátria).
        1820 – Revolução liberal.
        Introdução em Portugal da máquina a vapor.
        1822 – Independência do Brasil (grito do Ipiranga…). Primeira Constituição portuguesa.
        Regime constitucionalista vs. Regime absolutista




        1823/24: reacção absolutista com D. Miguel (Vila-Francada e Abrilada). D. Miguel exilado por D. João VI para Viena.
        1824: fundação da Fábrica da Vista Alegre, em Ílhavo, primeiro com vidro e em 1830 com porcelana.
        1826 – Morte de D. João VI. Regência da filha Infanta D. Isabel Maria.
        D. Pedro I outorga a CARTA CONSTITUCIONAL e estabelece uma base de governo que se mostrou irrealista: irmão D. Miguel casaria com D. Maria da Glória(filha de D. Pedro) e seria regente na fidelidade à CARTA.
        1828 - D. Miguel regressa, jura a CARTA mas logo a seguir abjura. Assume-se rei absolutista.
        Confrontos entre Liberais e Absolutistas.
        1832 – D. Pedro abdica no Brasil para o filho D. Pedro de Alcântara e organiza a resistência liberal. Desembarque dos Liberais no Mindelo e ocupam o Porto. Início da guerra civil que vai até 1834.
        Legislação liberal de Mouzinho da Silveira, fim das leis do Antigo Regime.
        1834 – Convenção de Évora-Monte, exílio de D. Miguel.
        Extinção das ordens religiosas masculinas e nacionalização dos seus bens (lei de Joaquim António de Aguiar)
        Morte de D. Pedro IV ( com 36 anos), sobe ao trono a filha, D. Maria II.



        1836 – Setembrismo, regresso ao Vintismo (Constituição de 1838). Governo de Manuel da Silva Passos (Passos Manuel), amigo de A. Garrett


        1842 -  Cabralismo, governo ditatorial

        1851 - Governo constitucional regenerador

        Obras públicas: estradas e caminhos de ferro
        1852: aparecem dois partidos (Histórico e Regenerador), início do chamado “rotativismo”.

        1853: morre D. Maria II




CLASSISSISMO
ROMANTISMO


        Associado ao regime absoluto (poder de origem divina, autoritarismo)

        Predomínio da razão

        Convencionalismo (o aristocrático, o nobre, o padrão social…)

        Geral, universal

        Obediência aos modelos classicos da antiga Grécia e Roma

        O objectivo, o impessoal, as paisagens claras, a natureza amena





        Associado ao regime constitucional (poder vem do povo, divisão dos poderes:
         legislativo, executivo, judicial)

        Predomínio da imaginação, sensibilidade,   
          sentimento

        Afirmação da liberdade, da diferença, do popular genuíno, das tradições do povo

        Particular, individual

        Ruptura com os modelos clássicos, fusão dos géneros literários, liberdade criativa

        O subjectivo, o pessoal, as paisagens “carregadas”, as ruínas…


5ª SESSÃO - 22 NOVEMBRO

XAVIER DE MAISTRE E ALMEIDA GARRETT


Xavier de Maistre está presente no início das VIAGENS de A. Garrett.
Quem foi X. de Maistre?
Pode ver-se aqui (http://pt.wikipedia.org/wiki/Xavier_de_Maistre) ou na introdução do seu livro editado pela &ETC


Irmão do filósofo Joseph de Maistre, Xavier de Maistre (…) é o tipo por excelência do diletante, pouco se preocupando com coi­sas sérias e com a posteridade, preguiçando durante 15 anos entre a Viagem e o Leproso. Publicada sem o nome do autor, a Viagem apre­senta-se como fruto de 42 dias de detenção; dará origem a um "re­make" de interesse menor: Expedição Nocturna à Roda do Meu Quarto.

À voga das narrativas de aventuras e de viagens, De Maistre opõe a imobilidade mais completa, graças à qual pode escapar a con­tingências e dar livre curso à imaginação; generaliza o desarranjo paródico, a viragem. "Enquanto eles descrevem o mundo, vou eu des­crever o meu quarto", será esta a sua divisa. É, portanto, ao regres­sar à liberdade que ele volta a entrar no cativeiro. O jogo com o leitor é constante, de inversão em contra-marcha, de digressão em digressão, de anti-romance em anti-viagem.
Para além daquilo que compartilha com a narrativa paródica, po­demos ver perfilar-se na Viagem a dupla renovação que constitui a re­volução romântica: o advento do eu e a explosão dos géneros.
O conde Xavier de Maistre oferece-se a nós como um daqueles ho­mens cuja descoberta nos consola de muitas das desilusões em litera­tura, reconciliando-nos docemente com a natureza humana... Havería­mos de tirar prazer e proveito de mais do que um dos seus juízos ingénuos e subtis.
(Sainte-Beuve (crítico literário francês, 1804-1869)

in: Viagem à Roda Do Meu Quarto, ed. &ETC, Lisboa, 2002






Leitura do primeiro capítulo de VIAGEM À RODA DO MEU QUARTO:



CAPÍTULO I

Como é glorioso iniciar uma nova carreira, e aparecer subita­mente no mundo culto, com um livro de descobertas na mão, tal um cometa inesperado que fulge no espaço!
Não, não mais guardarei o meu livro in petto; ei-lo, senhores, leiam-no. Iniciei e terminei uma viagem de quarenta e dois dias à roda do meu quarto. As observações interessantes que recolhi e o prazer contínuo que experimentei ao longo do caminho fizeram com que de­sejasse torná-la pública; a certeza de ser útil conduziu-me a esta deci­são. Sente o meu coração uma satisfação inexprimível quando penso no número infinito de infelizes a quem ofereço um meio garantido contra o tédio e um alívio para os males de que sofrem. O prazer que se encontra ao viajar no próprio quarto está ao abrigo da inquieta in­veja dos homens; é independente da fortuna.
Terá uma pessoa de ser, efectivamente, bastante infeliz, assaz abandonada, para não ter um reduto onde possa refugiar-se e escon­der-se de toda a gente?
Eis todos os condimentos da viagem.
Estou certo de que qualquer homem sensato adoptará o meu sis­tema, seja qual for o seu carácter, qualquer que seja o seu temperamento; avaro ou pródigo, rico ou pobre, jovem ou velho, nascido na zona tórrida ou perto do pólo, pode viajar como eu; enfim, na imensa família dos homens que pululam sobre a superfície da terra, não existe um só — um só que seja (entenda-se, daqueles que habitam quartos) — que possa, depois de ter lido este livro, recusar-se a aprovar a nova maneira de viajar que introduzo no mundo.

Xavier de Maistre
Viagem à Roda do Meu Quarto,
Ed. &ETC, Lisboa, 2002


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4ª SESSÃO - 15 NOVEMBRO


A descoberta dos livros... As bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian...


[O meu primeiro contacto com a obra de Aquilino Ribeiro foi por conselho de António José Forte que dirigia a carrinha da Gulbenkian que ia à minha terra,Alpiarça, por volta de 1961/62.]






Uma viagem atribulada pelas serranias da Beira Alta: leituras do Cap. 9 de O MALHADINHAS, de Aquilino Ribeiro.



Excerto:


(…)
Os lobos formaram com todo o descaro à nossa banda. Nem uma patrulha. O luar era mortiço, mas eu bem lhes via o lombo saraivado e pelo jogo das pernas como se iam mandando connosco a compasso.
Quando anoiteceu de todo, os maganos, sempre leva que leva à nossa mão, chegaram-se para mais perto. Eu quase os podia chuçar com o estribo; mas que ganhava? Todo o meu zelo era levar os olhos neles que já se me afigurava tolherem-se não sei por que resto de cobardia de nos saltar. 0 frade vinha atrás de mim a bater os queixais de medo.
— Passe para a minha banda — disse-lhe eu, que já me pare­cera ver um dos moinantes, o mais alentado, esticar os jarretes, com mentes de pular à garupa do burrico.
O frade lá se ajeitou à esquerda, tão cosido contra mim que cheguei a supor que animal e frade queriam montar no machito. Ouvi-lhe gemer:
— É hoje o nosso último dia!
— Vossa Paternidade não traz nada... navalha, ferro, pau que seja?
— Nada.
— Mas que é isso que há bocado vinha a tilintar nos alforges?
— É um turíbulo; é o turíbulo da igreja das Arnas, que trago para consertar.
— Dê-mo cá...
— Hem?
— Dê-mo cá... Depressa, homem!
O frade passou-me o turíbulo para as mãos, atravessei a faca nos dentes, e aí me pus a tocar ferrinhos, a bimbalhar, a fazer uma matinada que nem cambalheiras arrastadas por um cavalo! E — querem Vossorias saber? — os lobos meteram o rabo entre pernas e desarvoraram. Certo, assim Deus me salve!
(…)
Aquilino Ribeiro,
O MALHADINHAS
Bertrand Editora, col 11/17, Maia, 2011


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Diálogo sobre o projecto da Fábrica das Histórias, "MEUS QUERIDOS LIVROS". Distribuição de um texto fotocopiado com os objectivos e a calendarização do projecto.

3ª SESSÃO - 8 NOVEMBRO


Como se viajava no séc. XIX em Portugal?
Cruzamento de referências textuais...



VIAGENS NA MINHA TERRA

Às vezes, passo horas inteiras 
Olhos fitos nestas braseiras, 
Sonhando o tempo que lá vai; 
E jornadeio em fantasia
Essas jornadas que eu fazia
Ao velho Douro, mais meu Pai.

Que pitoresca era a jornada!
Logo, ao subir da madrugada,
Prontos os dois para partir:
- Adeus! adeus! é curta a ausência,         
Adeus! - rodava a diligência
Com campainhas a tinir!

E, dia e noite, aurora a aurora,
Por essa doida terra fora,
Cheia de Cor, de Luz, de Som,
Habituado à minha alcova
Em tudo eu via coisa nova,
Que bom era, meu Deus! que bom!

Moinhos ao vento! Eiras! Solares!
Antepassados! Rios! Luares!
Tudo isso eu guardo, aqui ficou:
Ó paisagem etérea e doce,
Depois do Ventre que me trouxe
A ti devo eu tudo que sou!

No arame oscilante do Fio,
Amavam (era o mês do cio)
Lavandiscas e tentilhões...
Águas do rio vão passando
Muito mansinhas, mas, chegando
Ao Mar, transformam-se em leões!

Ao Sol, fulgura o Oiro dos milhos!
Os lavradores mai-los filhos
A terra estrumam, e depois
Os bois atrelam ao arado
E ouve-se além, no descampado
Num ímpeto, aos berros: - Eh! bois!

E, enquanto a velha mala-posta,
A custo vai subindo a encosta
Em mira ao lar dos meus Avós,
Os aldeãos, de longe, alerta,
Olham pasmados, boca aberta...
A gente segue e deixa-os sós.

Que pena faz ver os que ficam!
Pobres, humildes, não implicam,
Tiram com respeito o chapéu;
Outros, passando a nosso lado,
Diziam: "Deus seja louvado!"
"Louvado sejal" dizia eu.

E, meiga, tombava a tardinha... 
No chão, jogando a vermelhinha, 
Outros vejo a discutir.
Carpiam, místicas, as fontes... 
Água fria de Trás-os-Montes 
Que faz sede só de se ouvir!

E, na subida de Novelas,
O rubro e gordo Cabanelas
Dava-me as guias para a mão:
Isso... queriam os cavalos!
Que eu não podia chicoteá-los...
Era uma dor de coração…

Depois, cansados da viagem,
Repousávamos na estalagem
(Que era em Casais, mesmo ao dobrar... )
Vinha a Srª Ana das Dores
"Que hão de querer os meus Senhores?
Há pão e carne para assar..."




Oh! ingénuas mesas, honradas!
Toalhas brancas, marmeladas,
Vinho virgem no copo a rir...
O cuco da sala, cantando. . .
(Mas o Cabanelas, entrando,
Vendo a hora: "É preciso partir").

Caía a noite. Eu ia fora,
Vendo uma estrela que lá mora,
No Firmamento português:
E ela traçava-me o meu fado
"Serás Poeta e desgraçado!"
Assim se disse, assim se fez.

Meu pobre Infante, em que cismavas,
Por que é que os olhos profundavas
No Céu sem-par do teu País?
Ias, talvez, moço troveiro,
A cismar num amor primeiro:
Por primeiro, logo infeliz...

E o carro ia aos solavancos.
Os passageiros, todos brancos,
Ressonavam nos seus gabões:
E eu ia alerta, olhando a estrada,
Que em certo sítio, na Trovoada,
Costumavam sair ladrões.

Ladrões! Ó sonho! Ó maravilha!
Fazer parte duma quadrilha,
Rondar, à Lua, entre pinhais!
Ser Capitão! trazer pistolas,
Mas não roubando, - dando esmolas
Dependuradas dos punhais ...

E a mala-posta ia indo, ia indo.
o luar, cada vez mais lindo,
Caía em lágrimas, - e, enfim,
Tão pontual, às onze e meia,
Entrava, soberba, na aldeia
Cheia de guizos, tlim, tlim, tlim!

Lá vejo ainda a nossa Casa
Toda de lume, cor de brasa,
Altiva, entre árvores, tão só!
Lá se abrem os portões gradeados,
Lá vêm com velas os criados,
Lá vem, sorrindo, a minha Avó.

E então, Jesus! quantos abraços!
- Qu'é dos teus olhos, dos teus braços,
Valha-me Deus! como ele vem!
E admirada, com as mãos juntas,
Toda me enchia de perguntas,
Como se eu viesse de Belém!

- E os teus estudos, tens-me andado?
Tomara eu ver-te formado!
Livre de Coimbra, minha flor!
Mas vens tão magro, tão sumido...
Trazes tu no peito escondido,
E que eu não saiba, algum amor?

No entanto entrava no meu quarto:
Tudo tão bom, tudo tão farto!
Que leito aquele! e a água, Jesus!
E os lençóis! rico cheiro a linho!
- Vá, dorme, que vens cansadinho.
Não adormeças com a luz!

E eu deitava-me, mudo e triste.
(- Reza também o Terço, ouviste?)
Versos, bailando dentro em mim...
Não tinha tempo de ir na sala,
De novo: - Apaga a luz! - Que rala!
Descansa, minha Avó, que sim!

Ora, às ocultas, eu trazia
No seio, um livro e lia, lia,
Garrett da minha paixão...
Daí a pouco a mesma reza:
- Não vás dormir de luz acesa,
Apaga a luz! ... (E eu ainda... não!)

E continuava, lendo, lendo...
O dia vinha já rompendo,
De novo: - Já dormes, diz?
- Bff!... e dormia com a idéia
Naquela tia Dorotéia,
De que fala Júlio Dinis.

Ó Portugal da minha infância,
Não sei que é, amo-te a distância,
Amo-te mais, quando estou só...
Qual de vós não teve na Vida
Uma jornada parecida,
Ou assim, como eu, uma Avó?

[António Nobre
Paris, 1892]


* * * 

A DEITA


«O quarto de Henrique era arranjado com simplicidade. Um alto leito de almofadas na cabeceira e rodapé de chita, tão alto que se não dispensava o auxílio de cadeira para trepar acima dele, uma cómoda com um pequeno espelho, um baú, um lavatório e duas cadeiras mais, constituíam a mobília toda.
Henrique de Souselas sentiu a falta de mil pequenos objectos de toucador, a que estava habituado. Aquele estritamente necessário não lhe prometia grandes confortos.
Deitou-se. A roupa da cama era de linho alvíssimo e respirava um asseio e frescura convidativos: os travesseiros, de largos folhos engomados, possuíam ma moleza agradável às faces; o colchão de penas abatia-se suavemente sob o peso do corpo fatigado. Henrique conchegou a roupa a si; à falta de velador, pousou o castiçal no travesseiro, e, abrindo um livro que trouxera de Lisboa, pôs-se a ler, para obedecer a um hábito adquirido.
Não teria ainda lido um quarto de página, quando ouviu a voz da tia Doroteia, que lhe dizia de fora da porta:
— Ó menino, tu já te deitaste?
— Já, sim, tia Doroteia.
— Olha se tens cautela com a luz. Eu tenho um medo de fogos!
— Esteja descansada, tia. Eu apago já.
— Então será melhor. S. Marçal nos acuda. E afastou-se, rezando ao santo.
Henrique continuou a ler.
Daí a pouco a mesma voz:
— Tu já dormes, Henriquinho?
— Não, tia, ainda não durmo.
— Olha que não vás adormecer sem apagar a luz. Eu tenho um medo de fogos! Não descanso enquanto não vejo tudo apagado em casa.
Henrique perdeu a paciência.
— Pois pode sossegar, olhe.
E apagou a vela, meio zangado.
— Fizeste bem, fizeste bem; isto já é tarde, e é melhor fazer por dormir. Então, muito boas noites.
— Muito boas noites — respondeu Henrique quase amuado; e ajeitando--se na cama, dizia consigo: — E esta! Já vejo que nem ler me é permitido aqui. Olhem que vida me espera! É isto o que me devia curar? Que fatalidade!
Dentro em pouco os dois felpudos cobertores de papa, únicos que con­servava dos cinco primitivos, começaram a fazer o seu efeito, insinuando nos membros cansados da jornada um agradável calor. Convidavam ao sono o som da água num tanque que ficava por debaixo das janelas do quarto e as gotas da chuva, que dos beirais do telhado caíam compassadas na tábua do peitoril.
A noite sossegara. De quando em quando apenas algumas lufadas de vento, já menos impetuosas, faziam bater as vidraças.
Eram como estes estados, que sucedem a um choro aberto. Correm ainda algumas lágrimas nas faces, mas já não brotam novas dos olhos: saem ainda do peito os soluços, porém mais espaçados; dentro em pouco será completa a serenidade.
Henrique começou a experimentar uma languidez, um delicioso bem-estar naquele confortável leito e no meio daquele sossego; fecharam-se-lhe enfraque­cidos os olhos, e deslizou suave, insensivelmente, no mais profundo, tranquilo e restaurador sono, que, havia muito tempo, tinha dormido.»


A MORGADINHA DOS CANAVIAIS
Júlio Dinis
Cap. I