domingo, 28 de abril de 2013






   Era como uma vaga de mar bravo, sô doutor. Grande e forte,  a mal ninguém o levava! Estava sempre pelo lado do dirêto, da justiça. Por bem, 'té a uma criancinha ele respêtava. Mas por mal quando tinha rezão...

         Foi ali. Ali, naquele mar azul-cinza, é que ele desapareceu para sempre. Era o melhor pescador à linha da frota bacalhoeira portuguesa.
         Naquela manhã, tal como nas outras, saíra com o seu barquito, o seu «dóri», para a pesca individual... Ele e os compa­nheiros. Mas estes, enquanto a tarde caía, com mais ou menos bacalhau, lá foram voltando ao navio, uns após os outros, Ele não. Nunca mais: Talvez a névoa cerrada... Talvez a canoa viesse demasiadamente cheia: se ele era o primeiro, entre os pesca­dores!... Talvez... talvez...      
        Lá ficou. Para sempre.
        Sozinho, naquele mar sem fim!!
       Ninguém viu o terror do seu último olhar. Ninguém ouviu os seus gritos, as suas súplicas...
       Era jovem, forte, generoso!...

   Foi ali mesmo naquele ma!

      E tu, Oceano, não o dizes, não o gritas! não estás marcado, mar!? Nem uma cicatriz indelével, feita com as sombras da noite mais negra, nem uma coluna eterna de sal... Nada.
Liso, calmo, como sempre cinzento-azulado...: Ah, mar, tenho-te medo e raiva!
Quem? Quem este ano?!...

Nos Mares do Fim do Mundo
Bernardo Santareno

terça-feira, 23 de abril de 2013

NÃO VOLTES, JOÃO! NÃO VOLTES!







Na sessão do dia 18 de Abril lemos várias passagens do livro de Bernardo Santareno "NOS MARES DO FIM DO MUNDO".
Aqui fica um desses textos, bem expressivo do estilo do autor:


CHAMADA DE URGÊNCIA

Foi no «Bissaia Barreto». Mensagem angustiosa do capitão, pela telefonia: Um homem de convés ferido, com uma faca de escalar. Golpe fundo, hemorragia abundante.
Imediatamente, os dois navios, o «Bissaia» e o «Melgueiro», recolheram as redes e largaram ao encontro um do outro, com a rapidez possível. Num instante, eu e o enfermeiro nos apron­támos. Quanto a mim, ansioso, mesmo aflito: Qual a gravidade autêntica do caso? Poderia resolver?...
Uma vez convenientemente aproximados os dois barcos, era ainda necessário percorrer, num pequeno bote, o mar que os separava: ondas altas, mas ainda não verdadeiramente perigosas. Neve caindo sempre, cada vez mais cerrada. Gelo disperso pelo mar, em pequenos blocos.
Lá fomos. Escuros de névoa, o céu, o mar e o ar; escura tam­bém a minha alma, de apreensão.
Mal chegado, levaram-me logo para uma minúscula enfer­maria: a minha ansiedade crescia, dolorosa. No beliche único, um homem novo estendido. Sangue nas roupas do ferido, nas cobertas da cama, até no chão. Observei o golpe: a faca passara entre as costelas, um pouco abaixo da ponta do coração. Hemo-pneumotórax? Pela auscultação, pareceu-me que sim.
Então, fixei profundamente o doente: cerca de vinte anos, pálido de anemia e de angústia, dois olhos grandes límpidos e macerados, finos os lábios convulsivamente apertados...
Tentativa de suicídio, é claro.
Na carne branco-azulínea do peito estreito, logo abaixo do coração, aquela flor de fogo tinha qualquer coisa de marca sagra­da, de mutilação ritual: marca de inadaptados, frágeis, solitários e desesperados.
Mandei esterilizar o material, para fazer a sutura da ferida: O rapaz, assustado, seguia-me com a vista... Por fim, o receio quebrou-lhe o mutismo:
Vai coser?...
Sosseguei-o: não sentiria nada. Pobre mocito! Impossível não o acarinhar: era uma criança! E as pestanas enormes lutavam para reter a paixão das suas lágrimas...
Soube que, frequentemente, sucumbia a ataques espasmódi­cos, durante os quais perdia os sentidos: epiléptico? Agora, um sentimento dominava toda a sintomatologia: um medo patológi­co, um entranhado terror, contra o mar e principalmente contra o seu navio. Um só desejo, este frenético: voltar para terra.
Dentro de meia hora, um outro barco, o «Pádua», partia para reabastecimento em St. John's:
Queres ir no «Pádua»?...
Os olhos do rapaz encheram-se-lhe de aleluias...
Suturado o ferimento, preparei-o para a viagem com coa­gulantes e analépticos. Chamava-se João. E foi para St. Johns, vi-o eu partir! Com uma delicadeza esquisita, os companheiros levaram-no em braços até ao bote, que havia de o conduzir ao outro navio: o rosto de cera, cinzentos os lábios, nos olhos febris uma ânsia obstinada, às vezes um pavor gelado...
Adeus, João! Voltarei a encontrar-te? Que será de ti?... Pronto, ei-lo chegado ao «Pádua»... Agora, içam o bote ... Ainda o vejo muito bem: na cabeça, um carapuço infantil, dos que têm borla no alto... Adeus! Boa sorte, rapazinho!
Vejam com que alma ele cravou a faca no peito!: Um moço tão jovem, tão grácil, quase belo?!... Que Nossa Senhora te acompanhe, João! E não voltes! Não voltes! Não voltes!!
O mar não gosta de ti, meu filho: Ele só quer aqueles que o dominam; e tu não podes. Não voltes para o mar: esconde-te na noite fresca que nasce da sombra das árvores, mistura a tua carne com a terra generosa e firme, deixa-te perder nos ares com o perfume da hortelã, dos cravos e das laranjeiras em flor...
Não, não queiras voltar. E vai com Deus, João!
*

Quando regressámos ao «David Melgueiro», o mar estava mais bravo, a neve fustigava-nos com mais raiva, e a noite des­cia rápida. Riscando a cinza negra deste mundo desolado, cor­tando céu e mar, um traço rubro, indelével e sangrento: uma ferida de Sol-poente, nesta paisagem vítrea...

 in: NOS MARES DO FIM DO MUNDO, B. Santareno, Edições Ática, Lisboa, 1999.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

COM BERNARDO SANTARENO "NOS MARES DO FIM DO MUNDO"


20ª SESSÃO                                                                                                        18 ABRIL 2013


 







Os velhos marinheiros dos Descobrimentos portugueses deram lugar, no final do séc. XIX e até meados do séc. XX, aos intrépidos pescadores da Terra Nova. O que foi essa saga imensa, sofrida, muitas vezes trágica, ficou plasmado nas páginas de Bernardo Santareno, que foi médico assistente da frota bacalhoeira. Ele o diz na "Nota de abertura" do seu livro:







«Nota — Nos Mares do Fim do Mundo foi, em grande parte, escrito a bordo do arrastão «David Melgueiro», na primeira cam­panha de 1957, a primeira também em que eu servi na frota bacalhoeira portuguesa, como médico. Mas depois desta, tomei parte numa segunda, em 1958, agora a bordo do «Senhora do Mar» e do navio-hospital «Gil Eannes», em que assisti sobretudo aos barcos de pesca à linha: Assim pude de facto conhecer, por vezes intimamente, todos os aspectos da vida dos pescadores bacalhoeiros portugueses, em mares da Terra Nova e da Gronelândia, e comple­tar este livro.»

Neste blogue encontrei notícias e fotos muito interessantes e elucidativas sobre a pesca do bacalhau.. Ver AQUI:http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2010/06/pesca-do-bacalhau_08.html

quarta-feira, 10 de abril de 2013

"NÓS SOMOS AHAB"


19ª SESSÃO                                                                                                   11 ABRIL 2013





1. Leitura do texto de Harold Bloom "Nós somos Ahab" (ver na PÁG. 3 deste blogue)

2. LEITURA DE EXCERTOS DO LIVRO MOBY DICK

    Diz H. Bloom: "Por mais extensa que seja, a obra está contida na dialéctica destes três capítulos:
42, 119 e 132.

Cap. 42: "A brancura da baleia" (pg. 223, ed. Relógio d'Água). Ismael, personagem e narrador, faz uma dissertação sobre o significado da brancura no na nossa cultura. e no nosso imaginário.

Cap. 119: "As velas" (pg. 535). "Tomamos pleno conhecimento da espiritualidade de Ahab" (H. Bloom)

Cap. 132: "A sinfonia" (pg. 577). "O lado humano de Ahab" (id)

* * *







Gregory Peck (1916-2003) foi o Capitão Ahab de MOBY DICK, realizado por John Huston em 1956.










Versão em DVD (2006) da adaptação de Francis Ford Coppola.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

INÍCIO DO 3º PERÍODO


18ª sessão                                                             4 ABRIL 2013

PROPOSTA PARA O 3º PERÍODO:

4 ABR – Propostas: Conferência sobre a chegada dos portugueses ao Japão; Visita ao Museu 
              Marítimo de Ílhavo. 
              Início da abordagem de Moby Dick, de Herman Melville

11 ABR – Moby Dick (continuação)

18 ABR – Nos Mares do Fim do Mundo, de Bernardo Santareno. A pesca do bacalhau.
                   
                   ( 25 ABR e 2 MAI – não há “VIAGENS…”)

9 MAI – Nos Mares do Fim do Mundo… Preparação para visita ao Museu Marítimo de Ílhavo
                 
16 MAI – Viagens de estrangeiros em Portugal: livro de Carl Ruders
23 MAI – Idem: livro A Formosa Lusitânia

29 MAI – Última sesão: Memórias das VIAGENS COM PALAVRAS. 


......................................................................................................

DESENVOLVIMENTO:

Na abordagem ao livro Peregrinação de Fernão Mendes Pinto fez-se referência aos 470 anos que passam em 2013 sobre a data da chegada dos portugueses ao Japão.



Em 1988 o Comandante Rui Sá Leal da Marinha de Guerra Portuguesa chefiou uma missão de diplomacia cultural ao Japão com o navio conhecido por Lorcha Macau, da qual possui documentação muito interessante e que se dispõe a mostrar. Por isso é oportuno realizar uma sessão pública na nossa Associação em que o senhor Comandante falará sobre essa missão e a chegada dos portugueses ao Japão. Será feita em data a marcar.


A Lorcha  MACAU

Por outro lado, na sequência do estudo do livro Moby Dick, será feita a abordagem da obra No Mares do Fim do Mundo, de Bernardo Santareno, cuja temática é a vida dos marinheiros na pesca do bacalhau. Assim, foi apresentada e aprovada a proposta de visita ao MUSEU MARÍTIMO DE ÍLHAVO, com o seu recém-inaugurado Aquário dos Bacalhaus e o navio bacalhoeiro musealizado, a qual será realizada em data a estudar com a Direcção.

..............................................................................................................

Distribuição e leitura da folha LUGAR ONDE, sobre Moby Dick:





MOBY DICK

Um livro de múltiplas leituras
                     A  obstinação do Homem

                     A luta contra os elementos da Natureza
                     O Leviatã da Bíblia ( Job, 40, 25-32; 41, 1-26)
                     O Mostrengo / o Adamastor...
 
                     Uma versão do Quixote?
                     A luta pela sobrevivência (Pescadores da Terra Nova)
                     Uma imagem da América (Novo Mundo)