A descoberta dos livros... As bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian...
[O meu primeiro contacto com a obra de Aquilino Ribeiro foi por conselho de António José Forte que dirigia a carrinha da Gulbenkian que ia à minha terra,Alpiarça, por volta de 1961/62.]
Uma viagem atribulada pelas serranias da Beira Alta: leituras do Cap. 9 de O MALHADINHAS, de Aquilino Ribeiro.
Excerto:
(…)
Os lobos
formaram com todo o descaro à nossa banda. Nem uma patrulha. O luar era
mortiço, mas eu bem lhes via o lombo saraivado e pelo jogo das pernas como se
iam mandando connosco a compasso.
Quando
anoiteceu de todo, os maganos, sempre leva que leva à nossa mão, chegaram-se
para mais perto. Eu quase os podia chuçar com o estribo; mas que ganhava? Todo
o meu zelo era levar os olhos neles que já se me afigurava tolherem-se não sei
por que resto de cobardia de nos saltar. 0 frade vinha atrás de mim a bater os
queixais de medo.
— Passe para
a minha banda — disse-lhe eu, que já me parecera ver um dos moinantes, o mais
alentado, esticar os jarretes, com mentes de pular à garupa do burrico.
O frade lá
se ajeitou à esquerda, tão cosido contra mim que cheguei a supor que animal e
frade queriam montar no machito. Ouvi-lhe gemer:
— É hoje o
nosso último dia!
— Vossa
Paternidade não traz nada... navalha, ferro, pau que seja?
— Nada.
— Mas que é
isso que há bocado vinha a tilintar nos alforges?
— É um
turíbulo; é o turíbulo da igreja das Arnas, que trago para consertar.
— Dê-mo
cá...
— Hem?
— Dê-mo
cá... Depressa, homem!
O frade
passou-me o turíbulo para as mãos, atravessei a faca nos dentes, e aí me pus a
tocar ferrinhos, a bimbalhar, a fazer uma matinada que nem cambalheiras
arrastadas por um cavalo! E — querem Vossorias saber? — os lobos meteram o rabo
entre pernas e desarvoraram. Certo, assim Deus me salve!
(…)
Aquilino Ribeiro,
O MALHADINHAS
Bertrand Editora, col 11/17, Maia, 2011
* * *
Diálogo sobre o projecto da Fábrica das Histórias, "MEUS QUERIDOS LIVROS". Distribuição de um texto fotocopiado com os objectivos e a calendarização do projecto.
E foi precisamente numa destas carrinhas que passava em Alpiarça, junto ao jardim municipal e posteriormente junto ao Águias , que me apaixonei pelos livros e pela leitura até hoje. E quem andava nestas carrinhas e nos indicava e dava sugestões de leitura , era nada mais nada menos que Herberto Helder ( grande escritor e excelentes obras ). RECORDO COM GRANDE EMOÇÃO ESTES DIAS QUE TANTAS ALEGRIAS NOS DERAM COM SA SUAS VISITAS E O SEU RECHEIO ( LIVROS/ CULTURA) Obrigado por terem existido. Feliz Natal meu amigo e conterrãneo extensivo a toda a sua família. Abraço Ana Paula Leocádio
ResponderEliminarExactamente, Ana. O outro homem que andava nesta carrinha que vinha a Alpiarça foi António José Forte, que morreu cedo mas deixou um livro de versos que se chama De Faca nos Dentes. Uma escrita cortante!
ResponderEliminarObrigado pela sua visita e BOAS FESTAS!