1 - Falámos na realização da VIAGEM CULTURAL a Santarém ( Fundação Passos Canavarro) e Alpiarça ( Casa-Museu dos Patudos, de José Relvas), no próximo dia 17 de Janeiro (ver PÁGINA 2 deste Blog)
2 - Foi distribuída uma ficha de apoio (duas páginas) com um esquema da organização do livro VIAGENS NA MINHA TERRA, (do livro AULA VIVA - Português A - Ensino Secundário - 12º ano, de João Fonseca Guerra e José da Silva Vieira, Porto Editora, 1995):
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2 - Foi distribuída uma ficha de apoio (duas páginas) com um esquema da organização do livro VIAGENS NA MINHA TERRA, (do livro AULA VIVA - Português A - Ensino Secundário - 12º ano, de João Fonseca Guerra e José da Silva Vieira, Porto Editora, 1995):
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2 - Continuámos a leitura de excertos das VIAGENS...
Cap. VII:
«O café é uma das feições mais características de uma terra. O
viajante experimentado e fino chega a qualquer parte, entra no café, observa-o, examina-o, estuda-o, e tem conhecido o país em que
está, o seu governo, as suas leis, os seus costumes, a sua religião.
Levem-me de olhos tapados onde quiserem, não me desvendem senão no café; e protesto-lhes que em menos de dez minutos lhes digo a terra em que estou, se for país
sublunar.
Nós entrámos no café do Cartaxo, o grande café do Cartaxo; e
nunca se encruzou turco em divã de seda do mais esplêndido café de
Constantinopla com tanto gosto de alma e satisfação de corpo, como nós nos
sentámos nas duras e ásperas tábuas das esguias banquetas mal sarapintadas que
ornam o magnífico estabelecimento bordalengo.
Em poucas
linhas se descreve a sua simplicidade clássica: será um paralelogramo pouco
maior que a minha alcova; à esquerda, duas mesas de pinho; à direita, o
mostrador envidraçado, onde capeiam as garrafas obrigadas de licor de amêndoa,
de canela, de cravo. Pendem do tecto, laboriosamente arrendados por não vulgar
tesoura, os pingentes de papel, convidando a lascivo repouso a inquieta raça
das moscas. Reina uma frescura admirável naquele recinto.
Sentámo-nos, respirámos largo, e entrámos em conversa com o dono
da casa, homem de trinta a quarenta anos, de fisionomia esperta e simpática, e
sem nada do repugnante vilão ruim que é tão usual de encontrar por semelhantes
lugares da nossa terra.
— Então que
novidades há por cá pelo Cartaxo, patrão?
— Novidades! Por
aqui não temos senão o que vem de Lisboa. Aí está a Revolução de ontem...
— Jornais, meu
caro amigo! Vimos fartos disso. Diga-nos alguma coisa da terra. Que faz por cá o...
— O mestre J.
P., o alfageme?
— Como assim o
alfageme?
— Chamam-lhe o alfageme ao mestre J. P.; pois então! Uns senhores de Lisboa que aí
estiveram em casa do Sr. D. puseram-lhe esse nome, que a gente bem sabe o que
é; e ficou-lhe, que agora já ninguém lhe chama senão o alfageme. Mas, quanto a
mim, ou ele não é alfageme, ou não o há-de ser muito tempo. Não é aquele, não.
Eu bem me entendo.”
(Excerto do Cap. VII das VIAGENS NA
MINHA TERRA)
a) Referência às marcas do "romantismo":
- relevância aos ambientes populares
- tom coloquial
- escolha de um assunto especial, ligado à Idade Média: a figura do alfageme;
ligação à lenda que Garrett utilizou na sua peça O ALFAGEME DE SANTARÉM,
escrita alguns anos antes das Viagens; os valores tradicionais da honra e da
justiça, patentes nessa lenda medieval.
b) Contemporaneidade das VIAGENS:
- Leitura comentada de dois textos sobre o tema dos CAFÉS, de autores dos nossos
dias, António José Forte e George Steiner.
«OS CAFÉS | Locais de
encontro, de convívio, de crítica, de conspirações até, os Cafés de Lisboa
contribuíram grandemente para a sobrevivência de uma cultura à margem da
cultura oficial.
Nos Cafés, apesar da vigilância
fascista sempre presente, falava-se, discutia-se, por vezes sem quase prudência.
Desde a anedota política, passando pelas teses sobre arte e literatura, até ao
plano acabado de Revolução, tudo os Cafés possibilitaram.
Palavras
ausentes da Imprensa e da Rádio, palavras rigorosamente proibidas pela polícia
faziam parte do vocabulário quotidiano das conversas dos Cafés.
Numa época em que o acesso ao
livro normal era difícil e perigosa a leitura da obra revolucionária, os Cafés,
através dos seus frequentadores, proporcionaram que títulos não fossem
esquecidos e temas novos conhecidos e discutidos. Na maior parte dos casos conheciam-se os livros, menos pela leitura
directa do que pela informação prestada por um amigo, às vezes por um conhecido
de ocasião.
Os Cafés foram, de certo modo, centros naturais e espontâneos de
uma resistência mental activa.
Talvez se pudesse falar mesmo de uma cultura oral, urbana,
nascida e desenvolvida nos Cafés.
Os revolucionários
de Café, os políticos de Café, os intelectuais de Café, foram expressões
utilizadas sobretudo com o objectivo de minimizar uma forma de vida,
incipiente, é certo, mas persistente e livre.
Afinal, num meio asfixiante, numa cidade policiada em todos os
sentidos, foram desses revolucionários, políticos e intelectuais ditos de Café
que saíram verdadeiros revolucionários, políticos e intelectuais.
A palavra, o pensamento estavam nos Cafés.»
António José Forte, UMA FACA NOS DENTES,
Parceria A.M. Pereira, 2ª ed. Lisboa, 2003
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«A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac
Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos
balcões de Palermo. Não há cafés antigos ou
definidores em Moscovo, que é já um subúrbio da Ásia. Poucos em Inglaterra,
após um breve período em que estiveram na moda, no século xvin. Nenhuns na
América do Norte, para lá do posto avançado galicano de Nova Orleães. Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da
«ideia de Europa».
O café é um local de entrevistas e
conspirações, de debates intelectuais e mexericos, para o flâneur e o poeta ou
metafísico debruçado sobre o bloco de apontamentos. Aberto a todos, é todavia
um clube, uma franco-maçonaria de reconhecimento político ou
ar-tístico-literário e presença programática. Uma chávena de café, um copo de
vinho, um chá com rum assegura um local onde trabalhar, sonhar, jogar xadrez
ou simplesmente permanecer aquecido durante todo o dia. É o clube dos
espirituosos e a poste-restante dos
sem-abrigo. Na Milão de
Stendhal, na Veneza de Casanova, na Paris de Baudelaire, o café albergava o
que existia de oposição política, de liberalismo clandestino. Três cafés principais
da Viena imperial e entre as guerras forneceram a agora, o
locus da eloquência e da rivalidade, a escolas adversárias de estética e
economia política, de psicanálise e filosofia. Quem desejasse conhecer Freud ou
Karl Kraus, Musil ou Carnap, sabia precisamente em que café procurar, a
que Stammtisch tomar lugar. Danton e Robespierre encontraram-se uma última
vez no Procope. Quando as luzes se apagaram na
Europa, em Agosto de 1914, Jaurès foi
assassinado num café. Num café de Genebra,
Lenine escreveu o seu tratado sobre empiriocriticismo e jogou xadrez com
Trotsky.
Note-se as diferenças ontológicas. Um pub inglês e um bar irlandês têm a sua própria aura e mitologias. O que
seria da literatura irlandesa sem os bares de Dublin? Onde, a não existir o Muséum Tavern, teria o Dr. Watson encontrado Sherlock Holmes? Mas estes estabelecimentos não são cafés. Não têm mesas de
xadrez, não há jornais à disposição dos clientes, nos seus
suportes próprios. Só muito recentemente o próprio café se tornou hábito
público na Grã--Bretanha, e mantém o seu halo italiano. O bar americano
desempenha um papel vital na literatura americana e em Eros, no carisma
icónico de Scott Fitzgerald e
Humphrey Bogart. A história do jazz é
inseparável dele. Mas o bar americano é
um santuário de luzes desmaiadas, muitas vezes de escuridão. Vibra com música,
muitas vezes ensurdecedora. A sua sociologia e o seu tecido psicológico são
permeados pela sexualidade, pela presença — desejada, sonhada ou real — de
mulheres. Ninguém redige tomos fenomenológicos à mesa
de um bar americano (cf. Sartre). As bebidas têm de ser
renovadas, se o cliente quiser continuar a ser desejado. Há «seguranças» que
expulsam os indesejáveis. Cada uma destas características define uma ética
radicalmente diferente daquela do Café
Central ou do Deux Magots ou do Florian.
«Haverá mitologia enquanto existirem pedintes», declarou
Walter Benjamin, um connaisseur apaixonado e peregrino de cafés. Enquanto existirem cafetarias, a «ideia de Europa» terá conteúdo.»
Georges Steiner, A IDEIA DE EUROPA
Gradiva, Lisboa, 2005
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