domingo, 9 de dezembro de 2012

2ª SESSÃO - 25 Outubro


O espírito de quem viaja...





ENTÃO… BOA VIAGEM!

 Qual é a essência de uma viagem? Mais do que o percurso ou o ponto de chegada, o que conta é o espírito de quem a faz. Ou seja: o famoso “sei que não vou por aí!”, de José Régio, traduzido por “o tino é mais importante que o destino”!
Seja a “VIAGEM AO FIM DA NOITE” – isto é, ao mais recôndito da alma humana -, ou a “VIAGEM À RODA DO MEU QUARTO” – divertido e lúcido passatempo de um prisioneiro no século XVIII, - é na cabeça dos viajantes que lemos a geografia do caminho andado. “VIAGENS NA MINHA TERRA” - Tejo acima, até Vila Nova da Rainha, e um passeio de mula da Azambuja até Santarém – pouco seria se não fosse a pena do escritor brilhante a transfigurar a paisagem. “VIAGEM AO CENTRO DA TERRA” - mergulho no mais delirante e verosímil mundo imaginário – continua a incendiar as nossas memórias de leitores. “OS LUSÍADAS” – essa viagem de todos nós ao oriente do nosso oriente – é um livro aborrecido apenas para quem se deixou embotar por novelas mal amanhadas. Valha-nos alguém da nova geração para nos propor “UMA VIAGEM À INDIA” – visão irónica e desencantada de quem perdeu caravelas e navega agora na vulgaridade de um continente sem horizontes.
Livros para abalar daqui, ir embora, dar de frosques…
Então… Boa viagem! 

JMD



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CITAÇÔES

(…)
Viajar es marcharse de casa,
es vestirse de loco,
diciendo todo y nada
con una postal.
Es dormir en otra cama,
sentir que el tiempo es corto.
Viajar es regresar!

Gabriel García Márquez

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"O que muito viaja aumenta a sua sagacidade.
Muita coisa vi nas minhas viagens, o meu conhecimento é maior do que as minhas palavras.
(Eclesiástico 34,10-11)

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"Diz-se que é preciso viajar para ver o mundo. Por vezes, penso que, se estiveres quieto num único sítio e com os olhos bem abertos, verás tudo o que podes controlar.” 
(Paul Auster)


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Cap. I
Ao cair de uma tarde de Dezembro, de sincero e genuíno Dezembro, chuvoso, frio, açoutado do sul e sem contrafeitos sorrisos de Primavera, subiam dois viandantes a encosta de um monte por a estreita e sinuosa vereda, que pretensiosamente gozava das honras de estrada, à falta de competidora, em que melhor coubessem. (A Morgadinha dos Canaviais, Júlio Dinis)

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Leitura de um trecho d' A Morgadinha dos Canaviais:

A MORGADINHA DOS CANAVIAIS
Júlio Dinis
Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, cap. I

«O leitor provavelmente há-de ter jornadeado alguma vez; sabe portanto que o grato e quase voluptuoso alvoroço com que se concebe e planiza qual­quer projecto de viagem, assim como a suave recordação que dela guardamos depois, são coisas de incomparavelmente muito maiores delícias, do que as impressões experimentadas no próprio momento de nos vermos errantes em plena estrada ou pernoitando nas estalagens, e mormente nas clássicas estala­gens das nossas províncias. As pequenas impertinências, em que se não pensa antes, que se esquecem depois, ou que a saudade consegue dourar até e poetizar a seu modo; esses microscópicos martírios, que de longe não avultam, actuam-nos, na ocasião, a ponto de nos inabilitar para o gozo do que é realmente belo. A dureza do colchão em que se dorme, do albardão ou selim sobre que se monta, o tempero ou destempero do heteróclito cozinhado com que se enche o estômago, a lama que nos incrusta até os cabelos, o pó que se nos insinua até os pulmões, o frio que nos inteiriça os membros, o sol que nos congestiona o cérebro, tudo então nos desafina o espírito, que trazíamos na tensão necessária para vibrar perante as maravilhas da natureza ou da arte.
Só pelo preço de muitas jornadas se compra o hábito de ficar impassível no meio dos episódios destas pequenas odisseias, que atormentam e exaurem o ânimo dos Ulisses novatos; mas ai, quando se adquire esse hábito, também nos achamos já com a sensibilidade mais embotada para as comoções do belo.
Examina-se com mais minuciosidade, mas com menos entusiasmo; analisa--se mais e melhor; porém a própria análise é a prova de que se sente menos.
Onde domina o sentimento e a imaginação, mal têm cabida a paciência e fleuma, necessárias aos processos analíticos. O homem positivo e frio recolhe de qualquer excursão à pátria com a carteira cheia de apontamentos; o entu­siasta e poeta nem uma data regista. Viu menos, sentiu mais.»





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